Representantes de partidos políticos e da sociedade civil juntaram-se hoje em Luanda para analisar os quatro processos eleitorais já realizados em Angola, apontando ainda como um dos desafios o exercício da observação eleitoral. A ancestral fraude eleitoral continua a ser um dos principais princípios do partido que (des)governa Angola há 46 anos.
O encontro, de iniciativa da Comissão Episcopal de Justiça e Paz da Conferência Episcopal de Angola e São Tomé (CEAST), em parceria com a fundação germânica Konrad Adenaur (KAS), reúne até sábado actores da política angolana e membros da sociedade civil na conferência denominada “Angola e os Caminhos da Construção da Democracia: Desafios e Perspectivas”.
O arcebispo metropolita do Lubango e presidente da comissão de Justiça e Paz e Migrações da CEAST, Gabriel Mbilingui, disse na sua mensagem de abertura da conferência, lida pelo secretário-geral da CEAST, padre Celestino Epalanga, que com o actual momento, marcado por actividades políticas de pré-campanha eleitoral — embora não oficial – “ganha novo vigor o sonho dos angolanos de um país próspero”.
E, acrescentou, “de um Estado democrático e de direito sem corrupção, socialmente justo e economicamente sustentável, onde se busque construir uma vida melhor para todos e não apenas para alguns privilegiados”.
Segundo Gabriel Mbilingui, as duas instituições juntaram-se no evento para contribuir com debates e reflexões, animados pelos vários intervenientes, para a construção de uma Angola cada vez mais democrática, bem como para entenderem, através da discussão sobre os mais variados aspectos, a situação em que o país se encontra.
“Pretende-se trazer à reflexão pública na análise sobre os processos eleitorais realizados no nosso país e colher destas experiências contributos que possam ser úteis para o nosso caminhar rumo às eleições previstas para 2022”, referiu.
Por sua vez, Luís Jimbo, coordenador do Observatório Eleitoral Angolano, um dos oradores da mesa-redonda sobre a “Análise dos Processos e Resultados Eleitorais de 2012 a 2017”, referiu que a observação eleitoral de um cidadão nacional é de carácter voluntário, sendo esta “uma tarefa cívica” de acompanhar o processo.
“Ora, não pode ser oneroso para o cidadão. Em 2017, o processo eleitoral para um observador, nós gastamos em média 25.000 kwanzas (35,9 euros) a 50.000 kwanzas (71,8 euros)”, informou Luís Jimbo, referindo-se a gastos com questões burocráticas, nomeadamente registo criminal e outros documentos exigidos.
Jimbo indicou ainda como desafio a ultrapassar a ausência de um instrumento jurídico que permita ao cidadão reclamar uma violação do seu direito de voto, possibilidade que existe apenas para os partidos políticos, como um contencioso administrativo perante a Comissão Nacional Eleitoral (CNE).
De acordo com Luís Jimbo, nas eleições gerais de 2012 e 2017 várias recomendações de observações internacionais constataram que houve muitas reclamações eleitorais de partidos políticos e de cidadãos, mas não há processos nos tribunais.
Já o deputado da UNITA, Faustino Mumbica, apontou como caminhos para a credibilização das eleições angolanas o credenciamento dos observadores, dos delegados de lista, aspectos recorrentes frisados nas recomendações de melhorias por observadores internacionais em todos os processos eleitorais já realizados no país.
“A UNITA fez um conjunto de propostas, tanto nas alterações que foram feitas em 2011 como nas que estão a ser feitas este ano e gostaríamos de destacar a composição da CNE, sobre a questão da paridade dos concorrentes, significa que a sociedade civil aqui pode jogar um papel importante, porque enquanto nós tivermos processos de concorrência, em que um dos concorrentes é que decide, não sei se estaremos a falar de processos justos”, salientou.
O representante do MPLA, Nani Vontade, disse que é entendimento do seu partido que em todas as fases da organização, da execução, dos processos eleitorais, os principais actores da política participem, por ser “uma metodologia útil e necessária para que se possa o máximo possível reduzir os níveis de conflito dentro do processo eleitoral”.
Nani Vontade, docente universitário, considerou fundamental para a “lisura de um processo eleitoral”, que os cidadãos se registem, que todos os partidos políticos façam campanha no quadro da lei e que haja uma contabilidade eleitoral clara, em que os próprios partidos políticos participem, através dos seus representantes nas mesas de voto.
Observadores internacionais de qualidade
Recorde-se que já no passado dia 27 de Outubro, membros da sociedade civil angolana alertaram os organismos internacionais para o “cuidado na escolha de membros” para observação eleitoral em Angola, prevista para 2022, considerando que nas eleições anteriores houve “observadores questionáveis e com reputação duvidosa”.
A posição surgiu numa carta dirigida a alguns organismos internacionais, apresentada em conferência de imprensa, na qual pedem observadores eleitorais “credíveis, com experiência e reputação internacional”.
“É necessário a presença de observadores porque em todas as eleições anteriores, elas não foram livres, justas e nem transparentes. Por isso, os resultados são sempre questionados pelos cidadãos e pelos partidos na oposição”, afirmou Olívio Nkilumbu, um dos signatários da carta.
O documento, que contou com 36 subscritores, entre activistas, jornalistas, sacerdotes e outros, foi remetido em finais de Setembro ao secretariado da União Africana, da Comunidade de Desenvolvimento da África Austral (SADC), da Comunidade dos Países de Língua Portuguesa (CPLP), à delegação da União Europeia em Angola e ao Carter Center.
Para os signatários, todas as condições prévias para eleições livres e transparente “não estão criadas” em Angola e o Governo e o MPLA (no poder há 46 anos) “têm controlo total sobre a gestão do processo”.
“A lei viabiliza que o processo esteja sob tutela do partido no poder, a imprensa está sob controlo do governo, as forças de defesa e segurança intimidam os eleitores e em caso de contencioso eleitoral, o judiciário está composto por juízes do partido no poder e ao seu serviço”, lê-se na carta apresentada à imprensa.
Segundo os subscritores, se as referidas organizações internacionais acolherem o seu pedido “deve haver cuidado na escolha dos membros que farão parte da equipa de observadores, porque em eleições anteriores houve equipas de observadores questionáveis”.
“Portanto, pedimos observadores cuja reputação não seja sujeita de desconfiança”, defende a sociedade civil angolana.
Questionado pelos jornalistas sobre as motivações das “constantes suspeições” das eleições em Angola, Olívio Nkilumbu sublinhou que apenas a “integridade, justiça e verdade eleitoral” devem garantir credibilidade ao processo eleitoral angolano.
“Para que o nosso processo seja liso é necessário o comprometimento de quem governa e é a capacidade de quem governa em respeitar os princípios democráticos como a transparência, a lisura, a liberdade do processo”, afirmou o também politólogo.
Por um lado, referiu, a imprensa “tem que estar ao serviço do processo e dos participantes do processo, porque quando não se tem acesso à imprensa, algum dos concorrentes está em vantagem”.
“Ou seja, quando o acesso à imprensa não é equitativo, não é possível termos um processo eleitoral transparente”, notou.
“Se as próximas eleições forem ganhas pelo MPLA e for na base da integridade, justiça e verdade eleitoral que ganhe o MPLA, se for a UNITA na base da integridade, justiça e verdade eleitoral que ganhe a UNITA, será legítima e terá legitimidade de governar”, apontou.
Mas, sustentou, “quando o processo tem suspeições à partida, durante e depois, este que ganha não tem legitimidade, por isso é que vemos que depois de processos eleitorais há greves, há manifestações”.
“Como é que alguém que ganha com grandes margens um ano depois há greves, há manifestações?”, questionou igualmente Olívio Nkilumbu.
O exemplo claríssimo de 2017
No dia 2 e Maio de 2017, a União Europeia (UE), que não percebe nada da poda, julgava que mandar observadores, regra geral surdos, mudos e cegos para “monitorar o processo eleitoral em Angola” iria servir para alguma coisa útil. Isto porque queria enviá-los antes do arranque da campanha eleitoral, segundo informou na altura a porta-voz da Comissão Nacional Eleitoral (CNE) de Angola.
Júlia Ferreira avançou esta informação no final da reunião que a Delegação da Missão Exploratória da União Europeia manteve com o então presidente da CNE, André da Silva Neto.
A pretensão da UE, segundo a porta-voz da CNE, seria analisada pelo plenário da CNE, tendo em conta que nos termos da lei eleitoral angolana “a observação eleitoral só se inicia com o arranque da campanha eleitoral e termina com a publicação dos resultados definitivos”.
“Tendo em conta o que está estabelecido na lei, foi dito que nós devíamos, em plenário, verificar se há ou não alguma possibilidade de se satisfazer esse interesse da UE”, disse.
O simulacro eleições gerais em Angola de 2017, tal como as anteriores, tal como as de 2022, será – como é tradição divina no reino, ganha pelo MPLA.
“Nos termos da lei, é permitido que a CNE, o Presidente da República, a Assembleia Nacional, e o Tribunal Constitucional indiquem convidados internacionais para participarem no processo de observação eleitoral, mas tudo isso obedece aos prazos que estão estabelecidos na lei”, explicou.
Vejamos com alguma atenção quem são as entidades competentes para convidar (supostos) observadores. CNE (leia-se MPLA), Presidente da República (não nominalmente eleito e Presidente do MPLA), Assembleia Nacional (feudo esmagadoramente dominado pelo MPLA) e Tribunal Constitucional (areópago domado e dominado pelo MPLA).
Assim sendo, o melhor era (como continua a ser) a União Europeia delegar a sua observação em quem sabe da matéria. Ou seja, no MPLA. Fica tudo em família e não será preciso maquilhar a submissa rendição com ténues cores de independência.
De acordo com a responsável do MPLA (CNE, se preferirem), só estará devidamente habilitado a observar as eleições em Angola, as entidades ou individualidades “legalmente credenciadas”.
Em relação a 2022, o ideal seria a União Europeia optar pela estratégia da União Africana e da CPLP e fazer já o relatório sobre as eleições e mandá-lo, a tempo e horas, para ser aprovado pelo MPLA.
Folha 8 com Lusa